Geografia Cotidiana

18 de janeiro de 2010


TRISTE PARTIDA
Luiz Gonzaga/ Composição: Patativa do Assaré

Setembro passou. Outubro novembro. Já estamos em dezembro. Meu Deus o que é de nós. Assim fala o pobre do seco nordeste. Com medo da peste, da fome feroz.

A treze do mês ele fez a experiência. Perdeu sua crença nas pedras de sal. Mas noutra esperança. Com gosto se agarra. Pensando na barra do alegre Natal.

Rompeu-se o Natal.Porém barra não veio. O sol bem vermelho. Nasceu muito além. Na copa da mata. Buzina a cigarra. Ninguém vê a barra. Pois a barra não tem.

Sem chuva na terra. Descamba janeiro. Depois fevereiro. E o mesmo verão. Então o nortista. Pensando consigo. Diz “isso é castigo. Não chove mais não”.

Apela pra Março. Que é o mês preferido. Do santo querido. Senhor São José. Mas nada de chuva. Tá tudo sem jeito. Lhe foge do peito. O resto da fé.

Agora pensando. Ele segue outra trilha. Chamando a família. Começa a dizer. Eu vendo meu burro. Meu jegue e o cavalo. Nós vamos a São Paulo. Viver ou morrer.

Nós vamos a São Paulo. Que a coisa tá feia. Por terras alheias. Nós vamos vagar. Se o nosso destino. Não for tão mesquinho. Cá e pro mesmo cantinho. Nós tornamos voltar.

E vende seu burro. Jumento e o cavalo. Até mesmo galo. Venderam também. Pois logo aparece. Feliz fazendeiro. Por pouco dinheiro. Lhe compra o que tem.

Em um caminhão. Ele joga a família. Chegou o triste dia. Já vai viajar. A seca terrível. Que tudo devora. Lhe bota pra fora. Da terra natal.

O carro já corre. No topo da serra. Olhando pra terra. Seu berço, seu lar. Aquele nortista. Partido de pena. De longe acena. Adeus meu lugar.

No dia seguinte. Já tudo enfadado. E o carro embalado. Veloz a correr. Tão triste coitado. Falando saudoso. Seu filho choroso. Exclama a dizer.

De pena e saudade. Papai sei que morro. Meu pobre cachorro. Quem dá de comer? Já outro pergunta. Mãezinha, e meu gato? Com fome, sem trato. Mimi vai morrer.

E a linda pequena. Tremendo de medo.”Mamãe, meus brinquedos. Meu pé de fulo?” Meu pé de roseira. Coitado, ele seca. E minha boneca. Também lá ficou.
E assim vão deixando. Com choro e gemido. Do berço querido. Céu lindo azul. O pai pesaroso. Nos filhos pensando. E o carro rodando. Na estrada do sul.

Chegaram em São Paulo. Sem cobre quebrado. E o pobre acanhado. Procura um patrão. Só vê cara estranha. De estranha gente. Tudo é diferente. Do caro torrão.

Trabalha dois anos. Três anos mais anos. E sempre nos planos. De um dia voltar. Mas nunca ele pode. Só vive devendo. E assim vai sofrendo. É sofrer sem parar.

Se alguma notícia. Das bandas do norte. Tem ele por sorte. O gosto de ouvir. Lhe bate no peito. Saudade de móio. E as águas dos olhos. Começa a cair.

Do mundo afastado. Ali vive preso. Sofrendo desprezo. Devendo ao patrão. O tempo rolando. Vai dia e vem dia. E aquela família. Não volta mais não.

Distante da terra. Tão seca, mas boa. Exposto à garoa. À lama e o paú. Meu Deus, meu Deus. Faz pena o nortista. Tão forte, tão bravo. Viver como escravo. No Norte e no Sul.